Ouvidoria 0800 718 2048 | SAC 0800 200 6070 | Sinistros 0800 202 2042

Manchetes do Mercado

28 de novembro de 2022

Primeira fábrica de energia limpa do Brasil foi lançada na Bahia

Compartilhe

A animação do presidente da petroquímica Unigel, Roberto Noronha, na véspera do lançamento da pedra fundamental da unidade de produção de hidrogênio verde da companhia, era notável. Com um investimento de US$ 120 milhões, a fábrica de Camaçari (BA) será a primeira do tipo em operação no Brasil, dando o pontapé num mercado bilionário.

A previsão da consultoria McKynsey & Company para este segmento gira entre US$ 15 bilhões e US$ 20 bilhões até 2040. “Você pega uma coisa que o Brasil tem de monte, que é sol, vento, área, água e converte isso em eletricidade 100% renovável, num processo que se chama eletrólise. Você usa a água, quebra as moléculas do hidrogênio e oxigênio e coleta o hidrogênio. Você fica num círculo perfeito em que você não consumiu nenhum recurso da natureza além de sol e vento”, explica Noronha.

“No Nordeste, Rio Grande do Norte, Bahia, Maranhão, Piauí e Paraíba têm o que chamamos de melhores ventos do mundo para a produção de energia, porque têm a característica de ser um vento forte, constante e unidirecional. O Brasil tem um grande potencial eólico”, explica a presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica), Elbia Gannoum. A estimativa do setor é de que o Brasil tenha potencial para gerar cerca de 800 gigawatts, mais de quatro vezes a potência instalada no país hoje.

“Esse potencial é praticamente infinito. Somado ao potencial que o Brasil ainda tem no mar e a energia solar, podemos produzir hidrogênio verde para abastecer o mercado interno e ainda exportar para os países europeus”, completa a executiva. A exportação dessa energia é, de fato, o principal plano do governo brasileiro, destacado pelo Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, durante o lançamento da pedra fundamental da fábrica da Unigel.

“Outros países que têm a oportunidade de produção de hidrogênio verde ainda não têm esse volume de fontes renováveis de energia que o Brasil tem. O Brasil é exemplo para o mundo nesse caso e é o primeiro país que vai olhar para a exportação de energia limpa. Nenhum outro país tem essa característica”, afirmou o ministro.

Aplicações
O uso do hidrogênio não é exatamente uma novidade. Trata-se de uma das substâncias mais abundantes da natureza e com aplicações em diferentes indústrias, lembra a pesquisadora do Centro de Energias Alternativas e Renováveis da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Sayonara Eliziário.

“O hidrogênio verde surge com o motivo principal que é descarbonizar o hidrogênio que já era utilizado. Existe uma demanda que se chama ‘usos habituais’: são basicamente indústrias que utilizam para produção de amônia e metanol ou ainda petroquímicas que usam no refino e produção de combustíveis comerciais”, explica a pesquisadora.

De acordo com a Agência Internacional de Energia, a oferta global de hidrogênio atingiu 90 milhões de toneladas (Mt) em 2020, sendo quase inteiramente produzido a partir de recursos fósseis. Do lado da demanda, o consumo ficou concentrado no setor de refino de petróleo (40 Mt) e na indústria (50 Mt), onde é usado como matéria-prima em reagentes ou fonte de energia.

Desse total, cerca de 67,5% vão para a produção de amônia, um importante insumo na produção de fertilizantes nitrogenados e do qual o Brasil é o quarto maior consumidor mundial.

“O principal mercado seria, inicialmente, o de fertilizantes, que cresce mundialmente e também no Brasil, mais recente de forma bem expressiva, e que já utiliza o hidrogênio. Então essa indústria de fertilizantes seria uma das maiores consumidoras”, observa a pesquisadora da UFPB.

Base para a produção da ureia, a amônia tem sido a principal forma de estocar e transportar o hidrogênio verde, cujo ponto de fusão, de 250 graus negativos, torna a logística em sua forma pura complexa e cara.

“A amônia é um carregador desse hidrogênio, porque, da mesma forma, num ciclo perfeito, se remove nitrogênio com energia renovável, converte isso em hidrogênio e fica muito mais fácil de transportar, carregar, converter em produtos, fazer fertilizantes”, observa Noronha, ao destacar que a existência de infraestrutura portuária para armazenamento de amônia no Porto de Aratu, na Bahia, é uma das principais vantagens do projeto da Unigel quando comparado aos demais já anunciados no país.

“O Brasil só tem dois tanques de amônia, um aqui em Aratu e um lá na região da Baixada Santista. Então, enquanto outros projetos terão de construir plantas do zero, nós já temos a infraestrutura pronta”, pontua o executivo.

Considerando que o Brasil importa cerca de 95% de todo fertilizante nitrogenado que consome, o investimento em unidades de produção de hidrogênio e amônia verde é considerado estratégico pelo governo federal, tendo sido incluído no Plano Nacional de Fertilizantes – elaborado após o choque na oferta internacional deflagrado pela guerra entre Rússia e Ucrânia.

O documento estabelece, entre outras metas, atrair investimentos para a instalação de pelo menos três unidades de nitrogenados até 2050 baseadas na amônia verde ou azul, quando há captura do carbono gerado na queima das tradicionais fontes fósseis do gás.

Descarbonização
Na avaliação do diretor executivo do Sindicato Nacional das Indústrias de Matérias-primas para Fertilizantes (Sinprifert), Bernardo Silva, a produção de hidrogênio verde não é suficiente para reduzir a dependência externa do Brasil quando o assunto é fertilizantes nitrogenados, mas é uma fonte importante para a descarbonização do setor agropecuário.

“O agronegócio é um dos grandes emissores de carbono. Então, é natural que o Brasil busque essa via para que não só a gente cumpra com compromissos obrigatórios, mas para que o agronegócio também possa tomar a liderança desse movimento de descarbonização”, ressalta Silva, ao mencionar que os fertilizantes representam cerca de 30% das emissões do setor. “Se pensarmos que isso vem de navio da China, da Rússia, do outro lado do mundo, somando as emissões logísticas, essa participação vai para além desses 30%.”

Outro ponto importante para o avanço da adoção do hidrogênio verde é seu custo em relação ao hidrogênio cinza, obtido de fontes fósseis. “Agora, momentaneamente, em função do conflito com a Ucrânia, o preço do gás natural, que é um combustível fóssil, subiu muito. Então, hoje, a diferença entre o custo do hidrogênio verde e o cinza talvez não exista nenhuma, mas antes desse conflito o preço do hidrogênio verde era mais alto que o do hidrogênio cinza”, pontua o presidente da Thyssenkrupp na América do Sul, Paulo Alvarenga.

A empresa afirma ser a única no mundo com tecnologia para a produção de hidrogênio verde em larga escala, com 3 gigawatts já contratados, mas também tem enfrentado aumento de custos para atender à demanda pelos equipamentos.

“O gargalo do projeto obviamente é o prazo de entrega desses equipamentos. A demanda é tão grande que queríamos estar na frente na fila”, reconhece o presidente da Unigel. A avaliação da empresa é de que, uma vez normalizada a situação no Leste Europeu, o custo do hidrogênio verde fique “levemente acima” do hidrogênio cinza, ganhando competitividade conforme a produção ganhe escala globalmente.

A previsão da Thyssenkrupp, por sua vez, é de que 20% de toda a energia usada no mundo virá do hidrogênio verde até 2050. “Isso significaria que precisaria ser instalado no mundo mais de 5 mil gigawatts de eletrólise da água até 2050. Seria como fazer 20 plantas de Itaipu por ano durante 30 anos. Esse é o potencial que temos pela frente para poder atingir as metas do Acordo de Paris”, observa Alvarenga, ao chamar a atenção para um dilema quando o assunto é custo e escala de produção de hidrogênio verde.

“Precisamos de escala, para tornar mais barato. E como é que sai disso? Ou a gente precificando o custo da emissão do carbono para a sociedade ou por meio de programas governamentais, para poder gerar essa demanda, como a Alemanha está pensando hoje, estruturando leilões de hidrogênio para poder estimular essa demanda, e com isso criar escala e o custo baixar”, relata o executivo.

O mercado de carbono é apontado pelo diretor executivo do Sinprifert como um fator decisivo na decisão das empresas de fertilizantes na hora de escolher entre a matéria-prima de fontes fósseis ou a obtida por meio da eletrólise da água.

“A tonelada de carbono pago no mercado americano, por exemplo, fica em torno de US$ 120. No Brasil, a tonelada de carbono para biocombustíveis está em torno de US$ 10. Então o mercado global de carbono vai ditar onde vai ficar esse ponto de equilíbrio, e as empresas vão olhar para isso: vale a pena descarbonizar e vender a tonelada de carbono? Vai depender disso”, pontua Bernardo.

Esses fatores, contudo, não parecem preocupar a futura pioneira brasileira na produção de hidrogênio verde. “Independentemente disso, não creio que será opcional a descarbonização. Todos os projetos que estamos fazendo hoje passaram por um primeiro filtro, que é a pegada de carbono do projeto. O segundo critério é conseguir olhar para frente e ver se vai ter demanda, o que, para mim, é inexorável. Não tem nenhuma dúvida que não importa o custo, o mundo vai ser obrigado a fazer isso”, conclui Noronha.

Se, de um lado, a produção de energia limpa para exportação em forma de hidrogênio verde pode tornar o Brasil uma potência global nesse mercado, internamente o avanço da instalação de parques eólicos e solares tem gerado impactos sociais importantes para a agricultura familiar e povos tradicionais do semiárido nordestino.

Preocupação social
Segundo organizações da sociedade civil que atuam junto a essas comunidades, a instalação das turbinas tem sido feita a partir de contratos abusivos entre empresas do setor e pequenos produtores da região.

“Aqui na Paraíba e em Pernambuco, o corredor dos ventos passa por cima das serras onde estão localizadas comunidades com 200 a 300 anos, inclusive várias delas quilombolas. E esse modo de viver em cima da serra é o que tem preservado a natureza do que nos resta de caatinga”, pontua Vanubia Martins, da Comissão Pastoral da Terra na Paraíba.

Entre outros problemas, a ativista destaca o caráter sigiloso dos contratos, os prazos extensos com renovação automática e multas abusivas para o caso de desistência do produtor. “O que a gente tem visto é as comunidades e os espaços de produção de alimentos dessas comunidades sendo ocupados para a produção exclusivamente de energia, então essa é uma preocupação”, afirma Vanubia.

A indústria de energia eólica, por sua vez, defende que a instalação dos parques não impede o desenvolvimento de atividades agropecuárias – possibilidade que é apresentada aos agricultores no momento da proposta do contrato de arrendamento das terras.

Fonte: Globo Rural

Publicado em: