Apesar de o Brasil ter plantado neste ano a maior área de soja da história, de 38,18 milhões de hectares, uma produção recorde ainda dependerá da evolução do clima até janeiro. Desde o começo da temporada de plantio, em setembro, áreas produtoras tiveram chuvas irregulares, não só no Sul, como tradicionalmente ocorre em anos com o fenômeno climático La Niña, mas também no Centro-Oeste, o que atrasou a semeadura, obrigou replantio e já aponta perdas de potencial produtivo.

Em seu levantamento mais recente, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) reduziu a expectativa de produção de soja do Brasil em 2020/21 para 134,45 milhões de toneladas, levemente abaixo dos 134,95 milhões de toneladas do mês anterior. Pela projeção, contudo, a safra ainda é recorde e supera em quase 10 milhões de toneladas a obtida no ciclo anterior (124,84 milhões de toneladas). A estatal fez ajustes para baixo nas previsões de área plantada e produtividade e mencionou no levantamento chuvas irregulares no Centro-Oeste, Sudeste e Sul em novembro.

Consultorias, bancos e centros de pesquisa ouvidos pelo Broadcast Agro também acreditam que a colheita pode superar a de anos anteriores, mas avaliam que as lavouras precisam de condições mais favoráveis ao passar por fases mais críticas neste e no próximo mês, já que o plantio e o início do desenvolvimento foram afetados. Em Mato Grosso, maior Estado produtor, onde a estiagem se prolongou, houve casos de replantio, principalmente no oeste. No Estado, algumas áreas foram abandonadas porque não havia mais tempo de semear.

O Rio Grande do Sul, terceiro maior produtor, está finalizando o plantio de soja com atraso e sob a influência do fenômeno climático La Niña, em um ano em que a safra de verão de milho do Estado já registra perdas após um intervalo de clima seco e quente durante o desenvolvimento das plantas. Foram apontados ainda problemas de perda de potencial produtivo por escassez de umidade em partes do Paraná, segundo maior produtor, e também em Goiás e São Paulo.

A analista Ana Luiza Lodi, da consultoria StoneX, lembra que boa parte da safra foi semeada em um intervalo curto, após o atraso no começo do plantio, o que faz com que uma parcela maior da produção fique sujeita a perdas caso haja adversidades climáticas nos períodos mais críticos, de floração, formação de vagens e enchimento de grãos. “Depois que começou a chover, produtores correram para plantar o mais rápido possível porque tem a questão da janela de plantio do milho no ano que vem”, afirma a analista. Janela de plantio é o intervalo adequado de tempo em que uma lavoura deve ser semeada para minimizar riscos climáticos.

O grosso das lavouras de soja brasileiras passa pelos períodos cruciais para a definição do rendimento entre dezembro e janeiro. Em novembro, a maior parte do País registrou metade da média de chuvas de 20 anos, lembra a analista. “O Brasil vem de um padrão de chuvas acumulado mais baixo em outubro e novembro”, afirma.

Em seu mais recente relatório de grãos, a StoneX revisou para cima a sua previsão de safra, de 133,48 milhões para 133,91 milhões de toneladas, citando uma área maior do que a prevista anteriormente, mas reduzindo a perspectiva de produtividade média do País, em consequência de um corte na previsão de rendimento de Mato Grosso.

Segundo o gerente de consultoria Agro do banco Itaú BBA, Guilherme Bellotti, a safra brasileira vem sendo “desafiadora”. “É muito cedo para falar de uma redução significativa da produção, mas o teto produtivo deve ter baixado”, afirma. Ele lembra, entretanto, que Sul e Centro-Oeste receberam chuvas entre o fim de novembro e o começo de dezembro. O banco trabalha com uma previsão de 132 milhões de toneladas. “Uma safra dessa magnitude ainda é recorde, mas inferior ao que todo mundo esperava.”

Conforme a analista Daniele Siqueira, da AgRural, a produção brasileira segue “em aberto”. “Já não é uma supersafra por causa dos problemas que aconteceram até aqui, mas ainda pode ser uma boa safra se o clima colaborar em dezembro e janeiro. Se não colaborar, podemos ter quebra de safra.” A consultoria foi uma das que já reduziram a previsão de produção no Brasil, apontando agora 131,6 milhões de toneladas, ante 132,2 milhões no fim de outubro, com produtividade média menor. As projeções de rendimento foram mantidas em todos os Estados produtores, exceto em Mato Grosso. Tanto StoneX como AgRural citaram a irregularidade de chuvas como fonte da perda do potencial produtivo no Estado.

A semeadura de soja foi antecipada para setembro em virtude do crescimento do milho de segunda safra no País, mas o período ideal de cultivo de soja no Brasil é em outubro e novembro de cada ano, afirma o pesquisador responsável pela área de grãos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Lucilio Alves. “Ainda podemos ter uma safra maior do que a do ano passado mesmo com o semeio mais tardio. Isso vai afetar muito mais o milho de segunda safra do que a própria soja.”

A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa tradings e esmagadoras atuantes no País, prevê colheita de 132,6 milhões de toneladas. “Consideramos um pouco cedo para fazer qualquer revisão para baixo em função de clima. Precisamos de um tempo para observar a concretude disso”, disse o economista-chefe da associação, Daniel Furlan Amaral, em evento de fim de ano da entidade. “Mesmo que a produtividade venha a cair um pouco, tudo indica que a produção ainda será recorde principalmente por causa do aumento de área”, afirmou o presidente-executivo da Abiove, André Nassar, no mesmo evento. “Achamos prematuro qualquer cenário de falta de soja para 2021.”

Para Ana Luiza, da StoneX, a expectativa sobre o desempenho da safra sul-americana cresceu depois de os Estados Unidos terem colhido uma produção abaixo do previsto em 2020/21, de 113,50 milhões de toneladas, segundo o Departamento de Agricultura do país (USDA), e terem já 53,83 milhões de toneladas contratadas para exportação até o momento, enxugando os estoques do país. O Brasil é atualmente o maior produtor mundial, seguido pelos Estados Unidos e pela Argentina. “O balanço de oferta e demanda dos EUA caminha para uma restrição, com estoques apertados. Brasil e Argentina são os outros grandes fornecedores, por isso o clima está tão presente (na formação de preço)”, avalia. “A oferta mundial está dependendo mais fortemente da safra da América do Sul.”

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