Mercado de commodities agrícolas: um novo boom?
Com a pandemia, essa tendência na China se quebra em 2020 (crescimento em torno de 2 %) – nada comparável ao imenso tombo que se observou na imensa maioria dos países; mas uma retomada de 8,2% em 2021 já é esperada, com provável volta para os níveis pré-crise. Com isso, os preços das commodities deverão manter, em média, os patamares favoráveis dos últimos 5 anos, independentemente dos rumos – muito incertos – da pandemia. Alimentos, especialmente, e matérias-primas agrícolas são bens de primeira (ou elevada) prioridade, sustentando-se ou resistindo mesmo diante de crises econômicas profundas, como a atual em escala mundial. Da mesma forma, não se impactam demasiadamente diante de uma recuperação econômica que possa vir a ocorrer num cenário muito otimista. Entretanto, no restante do mundo, o que se observa não é uma recuperação em U, muito menos em V. O que tem predominado é uma evolução em K: alguns setores crescendo outros encolhendo, conforme os efeitos da crise sobre a oferta e demanda de cada um.
Além dos fundamentos setoriais reais, deve ser feita a ressalva de que as commodities – por serem armazenáveis e apresentarem oferta relativamente inelástica no curto prazo – admitem importantes efeitos do lado financeiro, associados basicamente à liquidez mundial e ao comportamento dos juros, especialmente nos EUA. O cenário financeiro mais provável em 2021 é o de alta liquidez mundial e baixas taxas de juros, propício para um dólar mais desvalorizado atraindo a atenção para investimentos em commodities (Fundos de Commodities e Multimercados). Todos esses fatores também trabalham para uma sustentação de preços e possível alta especulativa (bolha), pari passu às equities em geral, conforme o apetite para o risco, que cresce diante da remuneração muito baixa dos ativos mais seguros. Uma questão, ainda em avaliação, é a extensão dos estímulos fiscais que podem vir a ser aplicados pela nova administração norte-americana, que podem vir com octanagem suficiente para afetar a economia mundial com impactos financeiros ainda não mensuráveis.
Em outras palavras: um descontrole de preços de commodities agrícolas poderia advir de erros exagerados na condução da política macroeconômica dos vários países – mormente os Estados Unidos – ou, enfatize-se, da incompetência dos governos de desviarem-se das armadilhas por eles próprios criadas. Em qualquer caso, as taxas de câmbio e os juros – e através dela, os preços das commodities – serão os reflexos da razoabilidade das medidas tomadas nas principais potências. A internalização no Brasil desses efeitos depende, evidentemente, das ações adotadas por aqui, do lado econômico e do lado institucional.
De qualquer maneira, é notório que, no agronegócio brasileiro, a agropecuária segue numa trajetória com taxa anual real de crescimento de longo prazo de 3,5% ao ano (contra 2,2% para o País) e com exportações (em valor) se expandindo, em média, a mais de 6% ao ano. É um crescimento lastreado fundamentalmente na produtividade e, logo, no uso de insumos modernos (maquinário, agroquímicos, sementes, etc.). Isso vem acontecendo a despeito da queda real de preços agropecuários de 1,7% ao ano, devido principalmente à sobrevalorização cambial real que prevalece desde 2002 e ainda está longe de ser revertida. Ou seja, um boom de commodities, como a história tem mostrado, favorece, quase sempre, a economia brasileira, mas não necessariamente o agronegócio em particular.
A tendência é, portanto, de manutenção do crescimento do agronegócio e do uso de insumos portadores de tecnologia até que, talvez no médio prazo, concorrentes eficientes e de porte, além dos já existentes, surjam no mercado ou que o Brasil, por um erro lamentável, deixe de apoiar o agronegócio mediante investimentos em ciência e tecnologia e políticas agrícolas favoráveis à liquidez e ao controle de riscos ambientais, de pragas e doenças, e de mercado. Uma ameaça que ronda o setor é a crônica crise fiscal que – não sendo tratada nas suas causas – pode vir a sacrificar recursos que deveriam ser aplicados no setor ou, como volta e meia se cogita, sangrar o agronegócio por meio de taxação às exportações. Um erro crasso seria cometido, pois são as exportações que viabilizam a escala de produção lastreada na tecnologia e, logo, a competividade externa bem como a alimentação a custo acessível à população brasileira. Ademais, a receita externa real do agronegócio em moeda nacional por causa da persistente valorização cambial, como regra, não acompanha a receita em dólares, estando quase sempre bastante defasada.
Excluídos tais desvios de rumo, a tendência positiva do agronegócio deve prosseguir. É preciso deixar claro, porém, que, em torno dessa tendência, a produção agropecuária oscila ao sabor de muitos fatores de risco – clima, pragas e doenças, oscilações de cunho financeiro e comercial –, contribuindo ora para aumento, ora para queda da inflação. Mas, na realidade, em média, nos últimos 20 anos, o impacto do agronegócio na inflação tem sido neutro, com as altas inesperadas de preços sendo compensadas pelas baixas ao longo do tempo.